Brasileiras que moram no exterior relatam como vivem durante a pandemia

Paulo H. Albano
6 min readApr 15, 2020

Canadá está entre os países que adotaram medidas ágeis contra o Covid-19

Desde o mês de março a população brasileira vêm tentando se adaptar a uma forma de viver totalmente diferente do que estava acostumada. Com a chegada do novo coronavírus ao país e o diagnóstico de mais de 25 mil casos da doença e cerca de 1,5 mil mortos, medidas de segurança foram tomadas em todos os estados do Brasil na tentativa de conter o avanço da contaminação. Ao redor do mundo também existem brasileiros afetados pela mudança que a pandemia provoca em suas rotinas. A Beta Redação conversou com duas gaúchas que vivem no exterior para entender como elas estão passando pelo período de quarentena.

“Foi muito rápido. No dia 10 de março eu estava trabalhando com os meus alunos em um texto sobre o coronavírus. Naquele dia nós tínhamos somente um ou dois casos diagnosticados aqui na província de Québec. Na segunda-feira seguinte as aulas já estavam suspensas”, conta a professora Giselda Andrade. Ela mora há um ano e meio na cidade de Montreal e está perto de completar um mês de quarentena. O Québec decretou estado de emergência no dia 13 de março.

O decreto impôs mudanças significativas no dia a dia do segundo município mais populoso do Canadá. No comércio, só serviços essenciais como supermercados, farmácias e hospitais seguem funcionando. Escolas, universidades e shoppings foram fechados. O transporte público também segue operando, embora os ônibus e metrôs estejam consideravelmente vazios. Na entrada dos estabelecimentos que continuam abertos, fiscais controlam as filas e o distanciamento entre os clientes para evitar a aglomeração.

Giselda explica que esses profissionais oferecem equipamentos como luvas e álcool em gel e questionam os cidadãos sobre possíveis sintomas que possam ter sentido durante os últimos dias. Os consumidores ainda são orientados a encostar somente nos produtos que irão comprar e lavar todas as mercadorias ao chegarem em casa. “No início chegou a ocorrer a falta de alguns produtos nas prateleiras. Esse problema foi resolvido com a restrição da quantidade de alimentos que cada pessoa poderia comprar, como tomates, bananas ou batatas, por exemplo”, esclarece ela. Também relata que houve um aumento de preços de alguns produtos cujo valor chegou a dobrar. “As promoções semanais que antes eram frequentes não têm ocorrido mais”, afirma a brasileira.

Nascida em Porto Alegre, Giselda trabalha ensinando francês aos imigrantes que chegam ao Québec e, conforme a legislação, precisam prestar uma prova para serem aceitos como cidadãos locais. As aulas são presenciais e chegam a contar com grupos de até 40 alunos dos mais variados lugares do mundo. Ela explica que os estudantes são remunerados pelo governo e por isso devem cumprir as horas de aula estabelecidas. Além da língua, o conteúdo ensinado abrange também parte da cultura local. Devido a quarentena, as aulas estão paradas, pois ainda não há uma plataforma específica que possibilite o home office para esses estudantes. Apesar disso, a professora revela que por vontade própria criou um grupo de whatsapp para esclarecer dúvidas dos alunos durante o período de isolamento.

Giselda em uma Montreal com pouco movimento de pessoas (Foto: arquivo pessoal).

Caroline Andrade, filha de Giselda, também se adapta aos novos tempos de distanciamento social. A jovem de 19 anos, que estuda Ciências Sociais e trabalha como operadora de caixa em uma hamburgueria, foi mais uma a ter suas atividades habituais modificadas em decorrência da pandemia. Os estudos continuam, mas agora na modalidade EAD. Já o restaurante paralisou os serviços por tempo indeterminado. Para trabalhadores como Caroline, o governo canadense está disponibilizando uma ajuda de custo durante a quarentena. Ela destaca que ações como essa beneficiam estudantes e autônomos, muitos deles imigrantes. “Os serviços públicos daqui de um modo geral são eficientes e funcionam rápido. Preenchi o formulário pela internet e dois dias depois já fui informada de que o pagamento irá entrar na minha conta”, elogia a jovem.

A estudante é uma das milhares de pessoas pelo mundo que terão que adiar por tempo indeterminado viagens que já haviam sido programadas. Ela estava com a passagem de avião comprada para vir ao Brasil em maio, mas a companhia aérea cancelou o voo. Em relação a quarentena, ela expõe que o que mais sente falta de fazer são os passeios de metrô por Montreal. Como as áreas de lazer do condomínio onde mora foram fechadas por precaução, Caroline têm ocupado boa parte do seu tempo cozinhando e praticando exercícios dentro do apartamento.

Além do suporte financeiro oferecido pelo governo, outro ponto enaltecido por ambas é a obediência das recomendações de saúde por parte dos cidadãos. Elas reiteram que as pessoas praticam o distanciamento de cerca de dois metros em locais públicos como metrôs e escadas rolantes, além de não tocarem em objetos da rua passíveis de contaminação. As duas, que costumavam ir ao mercado de três a quatro vezes por semana, estão tentando diminuir ao máximo as saídas. Quando é necessário sair de casa, sempre utilizam máscara no rosto.

Caroline próxima a Ponte Jacques-Cartier, em Montreal (Foto: arquivo pessoal).

Quanto aos passeios e caminhadas ao ar livre, que normalmente devem ser evitados em um contexto de quarentena, Giselda ressalta que existe uma particularidade a ser considerada no Canadá: o país acaba de sair de um inverno que durou seis meses. Devido às baixas temperaturas, que chegam a até -30 ºC, os moradores passaram os últimos seis meses fechados em suas casas. “Saímos de um isolamento e entramos direto em outro. É normal as pessoas terem essa vontade de sair para pegar sol. Muitos aguardaram ansiosos o fim do inverno e acabaram não tendo essa recompensa. Mesmo assim, a população está conscientizada do cenário atual, e a polícia também está atuando para evitar aglomerações em parques e praças”, revela a brasileira.

Ainda em relação às angústias que o sentimento de isolamento pode provocar, ela aponta duas questões sociais relevantes no Canadá. O país historicamente sofre com altas taxas de suicídio, principalmente durante o inverno rigoroso. Devido ao fechamento de alguns espaços públicos, estes casos acabaram consequentemente diminuindo. Em contrapartida, houve um aumento exponencial no número de pessoas consumindo substâncias químicas nas ruas, o que provoca filas grandes e indesejadas em tempos de coronavírus. A venda de maconha é liberada no Canadá e pode ser adquirida em lojas específicas. “Sabendo que essa sociedade tradicionalmente sofre com a depressão, o governo optou por manter o funcionamento dos serviços de venda de álcool e maconha”, observa a professora.

Quando questionada sobre um possível incômodo que a quarentena causa pela exigência de ficar muito tempo em casa, Giselda garante que essa condição não tem sido um problema para ela. A professora cursa doutorado em Educação na área de Didática de Línguas e continua estudando através de plataforma virtual oferecida pela UQAM. “Estou concluindo um trimestre importante da faculdade. Por causa da grande quantidade de tempo que o doutorado demanda, já estava acostumada a passar a maior parte do dia me revezando entre o trabalho e os estudos. Estou em casa, mas continuo ocupada com muita leitura e muitos trabalhos”.

Sistema de Saúde e Coronavírus

O Sistema de Saúde do Canadá é público e disponibiliza a mesma estrutura de hospitais e atendimento para pessoas de classes sociais distintas. Apesar de haver recursos financeiros para proporcionar instalações e pesquisas de qualidade, o país sofre com a falta de médicos, enfermeiros e professores. A solução que o governo busca para resolver a necessidade de mão de obra é justamente através de imigrantes como as brasileiras entrevistadas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e especialistas em virologia alertam que o maior risco oferecido pelo coronavírus é o colapso causado nos sistemas de saúde mesmo de países desenvolvidos economicamente. Apesar da baixa taxa de mortalidade, a rápida disseminação da Covid-19 acarreta a falta de médicos para atender todos os infectados. Considerando essa realidade de mão de obra escassa, o governo canadense tem agido energicamente para evitar o colapso do seu sistema de saúde.

Até a publicação desta matéria, o Canadá contabilizava mais de 27 mil casos de coronavírus e 903 mortes.

*Esta reportagem faz parte do “Dossiê Coronavírus: um caleidoscópio de histórias” publicado pela Beta Redação.

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